29 janeiro 2007

Fim do Mundo onde se está tão bem

Felgar – 20 horas

A noite escura não nos deixou desfrutar da magnífica paisagem da Beira Alta e do Alto Douro. Mesmo assim, o prazer de guiar pela “ondulada” estrada que liga Celorico da Beira a Felgar é grande.

Já é tarde. Após sairmos de Portalegre, no Alto Alentejo, cruzámos as duas Beiras interiores, a Alta e a Baixa, numa ligação rápida por auto-estrada.

Passada a Guarda, e depois de alguns quilómetros na novíssima A25, aquela que veio substituir o famoso e mortal IP5, entramos por estradas nacionais. Contornamos Celorico da Beira em direcção a Vila Nova de Foz Côa. A noite impede-nos de visualizar algo mais do que o preto do alcatrão e as suas listas brancas. A percepção de que estamos na zona das figuras rupestres só é possível através de sinalética colocada propositadamente para informar o turista.

“Temos de visitar esta região… mas de dia”, comentamos, eu e a C., com vontade de chegar à casa de hóspedes que há dias tínhamos reservado depois de uma pesquisa na net. Estas tecnologias são fantásticas.

Pocinho fica depois da vila colocada no mapa por causa de uns desenhos com milhares de anos. Junto ao Douro, é um dos pontos de referência para chegar a Felgar para quem vem de Sul. “ Passa a Pocinho, junto ao Rio Douro e depois vira no sentido de Torre de Moncorvo”, indica-nos o guia previamente transcrito para o básico bloco Moleskine.

Mais algumas curvas, torneamos mais uma localidade que tem no nome a imponência de uma torre e a escuridão e a obscuridade de algo que acaba em “corvo”.

Felgar está deserta. Na aldeia não se vislumbra uma pessoa e carros… nem vê-los. Parece que até estes têm medo do frio. E nós, bem, nós sentimo-nos a voltar atrás no tempo e a cair no início do século XXI. Procuramos a Casa de Santa Cruz, em busca de um pouso onde nos protegermos das temperaturas negativas que assolam o ar. Não encontramos.

No café, cerca de uma dúzia de pessoas respiram num ambiente aquecido por uma confortante salamandra mas que é conspurcado pelo fumo do tabaco que está aprisionado pelo ineficaz sistema de ventilação. As orientações estão dadas. Mais fácil era difícil.

Chegados à porta da casa de hóspedes debatemo-nos com a porta fechada. E o frio que nos atinge com violência na cara. A informação na porta é clara, temos de ligar para um número telefónico para que venham abrir a porta.

Cinco minutos, nem tanto e um pequeno utilitário aproxima-se. De dentro sai uma senhora, bem simpática, que nos pede desculpa. “Não há problema”, dizemos nós. As recepções abertas 24 horas são virtudes dos formais hotéis que nós preterimos. Queríamos sentir outro tipo de ambiente, mais familiar.

O quarto é reconfortante, mas o estômago já dá sinal de insatisfação. A hora de jantar já tinha chegado e apresentavam-se duas propostas: O Artur, em Carviçais, e O Lagar, em Torre de Moncorvo.

Sugeri o primeiro, pensado que, assim, veríamos algo mais pois já tínhamos passado na principal localidade daqueles confins. Má escolha. Chegados ao pequeno lugarejo, que se tornou conhecido, pelo menos para mim, desde que organizaram, ali mesmo, um festival de música, parecia uma terra fantasma. Não se avistava ninguém e o restaurante estava… fechado. Eram 21 horas, mas as refeições, essas, se as quiséssemos teríamos de ir a outro lado. Persistente, ainda tentei perceber se o estabelecimento recomendado estava, de facto, fechado. Acabamos por bater com o nariz na porta.

Metemo-nos no carro e fomos directamente a O Lagar, e tive de dar a razão à C. que desde o início me disse que o melhor seria esta opção. Vimos o tribunal, edifício senhor de um largo onde as atenções são todas para si. Passámos pela igreja, senhora de uma imponência pouco característica nos edifícios daquela região. A rudeza e a robustez das pedras graníticas dão-lhe um ar de fortaleza, em que qualquer arma de fogo assustaria muitos inimigos noutros tempos.

A “Posta à Lagar” estava saborosa e tenra, mas as batatas pré-fritas servidas como acompanhamento deixam uma sensação de insatisfação. Estômago reconfortado e regressamos à Casa de Santa Cruz. A noite, bastante tranquila, permite-nos descansar, recuperar forças gastas após uma dura semana de trabalho.

Felgar – 9 horas

Só o sino da igreja nos acorda já com o sol a raiar. Sim, nesse dia estava um dia maravilhoso. Os dois graus positivos não assustavam perante um céu azul e um sol luminoso.

O pequeno-almoço é divinal. Os donos da casa, que vivem diariamente no Porto, passam ali os fins-de-semana, onde se refugiam do caos urbano. Sumo de laranja espremido na hora, café com leite preparados no momento, pão fresco, manteiga, fiambre, queijo flamengo e queijo da região são cuidadosamente preparados pela D. Teresa Pires, a responsável pela cozinha. A completar, compotas de tomate e de damasco e mel. Um verdadeiro banquete que nos dão energia logo pela manhã para um dia magnífico e especial. Afinal, não é todos os dias que se comemora o aniversário de alguém tão importante! Para terminar, uns waffles quentinhos, acabados de fazer, com a massa confeccionada na hora… maravilha!

A conversa com o casal proprietário desta simpática e acolhedora casa de hóspedes durante a refeição envolve-nos, como tudo, num ambiente familiar e acolhedor. As formalidades das gravatas e dos balcões das recepções não existem e, de vez em quando, sabe tão bem fugirmos para o “fim do Mundo”, como foi referido, e passar uns dias em sossego e paz.

Por fim, há imensos programas que podemos concretizar. A piscina convida a um mergulho nos dias quentes de Verão. Caminhadas, jogos de paint-ball ou passeios de BTT, moto ou jipe, passando pelo rappel, rafting ou apenas andar de canoa no Douro Internacional são atracções que não nos deixam aborrecer em Felgar. Mas isso, bem isso terá de ficar para outra oportunidade.

Nota: Para quem estiver interessado, podem visitar a Casa de Santa Cruz em www.casadesantacruz.com ou em www.wonderfulland.com

1 comentário:

Unknown disse...

Quem não gosta de ler simpáticas palavras sobre a sua terra? Sou felgarense, tenho o privilégio de aqui viver. Pena é que o futuro dos nossos filhotes, aqui nestas terras do fim do mundo, seja difícil. Espero que um dia retornem e bebam mais um pouco da água fresca que corre na fonte em frente à Casa da Santa Cruz. Fotos do Felgar aqui http://fotos.sapo.pt/pesquisar?q=felgar e aqui http://www.flickr.com/photos/martex/sets/758572/show/

Cumprimentos.
Manoel